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DICA DE LIVRO – LUIZ EDUARDO SOARES, ANDRÉ BATISTA & RODRIGO PIMENTEL: Elite da Tropa

Como não poderia deixar de ser, o livro apresenta um panorama para lá de tétrico da segurança pública em nosso país – em especial, no Rio de Janeiro -, a partir de um feixe de histórias que condensam as experiências de cada autor nessa área. Seus autores, o antropólogo Luiz Eduardo Soares – gestor da área de segurança pública no Governo do Estado do Rio de Janeiro (1999 – 2000), e depois Secretário Nacional de Segurança no Governo Lula (2003), ambas as passagens extremamente polêmicas -, André Batista e Rodrigo Pimental, ambos integrantes do popularíssimo (graças ao filme!) Bope em meados dos anos 1990, atuam na área da segurança pública há bastante tempo.
Apesar disso, trata-se de um livro de “ficção”. E põe “ficção” nisso!
Dividido em duas partes, o livro abre as “portas do inferno” – se é que ele, tal como o céu, existe! Ele mostra a falência de toda e qualquer tipo de política de segurança pública nos moldes atuais, uma vez que a sua tese central é de que a criminalidade, contrário ao que o senso comum imagina, é um grande negócio! Business como outro qualquer, ele é apresentado em suas diferentes unidades de negócios: tráfico de drogas, sequestro, extorsão, jogo do bicho, “gatonet”, botijões de gás, vans piratas, flanelinhas, prostituição, segurança privada, conserto de viaturas… Tudo isso com a conivência das chamadas “autoridades instituídas”: ambas as polícias (civil e militar), e órgãos dos poderes executivo, legislativo e judiciário. Em outras palavras, a contravenção e o narcotráfico são “hospedeiros” do poder público, numa dialética em que ambos se articulam, se complementam e lucram juntos!
Aliás, um dos grandes méritos do livro é o de relativizar a tese, bastante popular, da existência de um “estado paralelo” – dominado pelo narcotráfico e pela contravenção. Nunca que a elite brasileira admitiria isso – afinal, isso seria reconhecer a existência de uma competição pela apropriação dos recursos públicos! O que há, de fato, é uma engenhosa convivência proveitosa entre o governo instituído e o crime, dada a circulação de capital “sujo” entre esses dois segmentos que nutrem candidaturas políticas, obras públicas, instituições de caridade, influenciam políticas públicas, “compram” decisões judiciais… Longe de ser uma luta maniqueísta entre o bem e o mal, – tal como a mídia professa, a fim de desviar a atenção dos mais incautos e ingênuos -, o negócio é engenhoso, azeitado e bem planejado, proporcionando sinergias, economia de custos e alinhamento estratégico entre as partes envolvidas. Como diria a vagabundagem, é big business, e só os manés e os vacilões é que não se aperceberam ainda (sic)…
Para quem, minimamente, tem algum grau de consciência crítica, esta constatação é da ordem do “óbvio ululante” – como diria o nosso querido Nélson Rodrigues. Quem nunca passou por uma situação de registrar uma queixa na delegacia, ou de ser parado em uma blitz durante à noite, ou então mesmo testemunhar uma conversa entre algum representante dos poderes executivo e legislativo, e se deparou com algum tipo de tertúlia “não-tão-correta-assim”?
Para pessoas mais sensíveis, o livro abusa das gírias, da linguagem chula e duríssima, dada a aridez do assunto. No entanto, ele é um lembrete de uma tese que eu canso de repetir em minhas aulas e palestras: está no DNA do brasileiro a corrupção, o ganho fácil, o “se dar bem à qualquer custo“. Se há alguma responsabilidade nisso, ela é de todos nós, seja em maior ou menor grau. E também se quisermos progredir enquanto nação e cidadãos, devemos encarar essa verdade “ululante” de frente…
Como tudo é “podre” e “ninguém presta”, esse cenário possibilita o surgimento de soluções messiânicas ou fundamentalistas do tipo: “já que ninguém presta, o negócio é passar o cerol em todo mundo”. De uma certa forma, é isso o que transparece na leitura do livro, posto que os autores desenvolvem uma visão um tanto quanto romântica e naturalizada do Bope – o famigerado Batalhão de Operações Especiais, criado em 1978 para ser a “tropa de elite” da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro -, um contigente policial hiper-treinado para agir em situações de crise. Na base do Bope, impera uma cultura corporativa de tolerância zero ao crime, absolutamente implacável e incorruptível. Com o tempo e a ampliação do contingente da tropa, bem como a capilarização da corrupção no seio do aparato policial, tais ideais não sobreviveram ao tempo, e hoje a tropa está bem aquém da visão que o livro/filme refletem…
Não vou entrar aqui em detalhes nas histórias sórdidas apresentadas no livro, mas recomendo que o leitor tenha sangue frio e estômago forte para aguentar as páginas que se sucedem. O mais interessante é que, com o correr dos contos – que, diga-se de passagem, podem ser lidos de maneira independente -, nós reconhecemos uma série de personagens atuantes até hoje no cenário público brasileiro, seja em âmbito municipal, estadual ou federal.
O mais interessante de tudo é que, após a publicação do livro, nada aconteceu. Ninguém foi acusado de nada, ninguém foi indiciado, nenhuma investigação foi levada à frente, nenhuma denúncia foi apurada… É nessas horas que se observa não apenas o senso de preservação da corrupção, mas também o corporativismo dos corruptos e dos “peixes-piloto”, que gravitam ao redor do cenário como se fossem hienas, esperando ansiosamente as carcaças do banquete dos poderosos…
Ao fechar o livro, é impossível não se ter uma visão tétrica, lúgubre, plúmbea e absolutamente claustrofóbica de que tudo isso é um pesadelo, um caos! De que esse país não tem solução! E, pior, que a tendência é se agravar ainda mais, até chegar ao ponto do insuportável! A Somália é o nosso destino, Mad Max é pouco, e não chegamos ao fundo do poço… ainda! Como diria Norbert Elias, isso é o que ocorre quando o processo civilizatório não ocorre a contento…
Aliás, a impressão que se tem é que sempre pode piorar ainda mais! E esse poço parece mais a toca do coelho da Alice, pois ele não acaba nunca…
Alguns amigos me dizem que eu penso sempre o pior, que eu sou o especialista em prospectar os piores cenários possíveis. Talvez seja o hábito de minha formação, a de ser psicólogo, e nunca se surpreender com a maldade, a destrutividade, a mentira deslavada, o jogo de cena de interesses nem sempre edificantes e positivos que fazem parte da odisséia humana na Terra… Mas, fazer o quê, isso é da nossa espécie?!?!
O livro é um tratado fundamental sobre o mal em seu estado puro, a mais decantada forma da bestialidade humana. As pessoas mais sensíveis irão reconhecer tipos que encontramos no cotidiano: os desesperançados, os cínicos, os acomodados, os brutalizados e, também, os espertalhões, os vigaristas, os canalhas, os biltres…
This is the end, my only friend, the end…
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Categorias:Brasil, Livro, Polícia, Política, Resenha, Rio de Janeiro, Segurança Pública
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