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Archive for fevereiro \28\+00:00 2008

>SESSÃO DE CINEMA – "PERSÉPOLIS"

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Meus queridos leitores, esse Escriba que vos fala está blogando diretamente da limpa, rica e organizada cidade de São José dos Campos, encravada em pleno Vale do Paraíba – região histórica da cafeicultura brasileira. Hoje, é uma terra dos aviões e da indústria aeroespacial, posto estarem aqui localizadas a Embraer, o Centro Tecnológico da Aeronáutica (CTA) e o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA). Terra de riquezas de outrora, agora local de tecnologia de ponta, pois é daqui que saem os nossos aviões de médio porte que tanto encantam passageiros e companhias aéreas do mundo inteiro – produzidos pelo que há de melhor na inteligência tecnológica nacional…
No início dessa semana, antes de vir para cá, assisti uma película que eu estava muito a fim de ver. Eu já tinha lido o livro, e fiquei muito curioso em ver como seria a sua transposição para a telona.
Particularmente, não gosto muito de filmes de animação – padrões Pixar e Walt Disney não me atraem muito, talvez pelo caráter infantilizado das personagens, bem como o teor excessivamente americano das piadas e dos diálogos. No entanto, fui ver uma animação prá lá de especial. Trata -se do longa Persépolis (2007), uma adaptação para o cinema da história em quadrinhos do mesmo nome, concebido pela artista iraniana radicada em Paris, Marjane Satrapi, filmado em parceria com o diretor francês Vincent Paronnoud.
Longe de ser um festival de animações gráficas via uso intensivo de recursos computacionais, Persépolis é repleto de lirismo e beleza incomparáveis, em grande parte graças ao uso expressivo da fotografia em preto-e-branco. Assim como a coleção completa dos quadrinhos – publicada no Brasil pela Companhia das Letras -, a trama é um relato da vida da autora, abrangendo desde a infância marcada pelo ambiente de radicalização política proporcionada pela queda do Xá Reza Pahlavi e a posterior Revolução Islâmica dos anos 1980 – comandada pelo Aiatolá Khomeini -, até o seu exílio na Europa durante a adolescência, marcado pela separação da família e pelas dificuldades em adaptar-se e ser aceita no Ocidente – um tremendo “choque” cultural…
É o relato singelo de uma criança que teve a chance de passar pelas agruras de um país tradicional, de raízes históricas consolidadas e com uma tradição cultural milenar, que passou de um regime ditatorial títere das potências ocidentais para um Estado fundamentalista islâmico, regido pela sharia e pelos preceitos muçulmanos xiitas. Para quem não conhece o Irã e acha que todos os países situados no Oriente Médio são iguais, a película é uma aula de história contemporânea. A ancestral cultura persa é apresentada de maneira apropriada, bem como as desventuras políticas do país: a presença de defensores de um alinhamento com o Ocidente, os comunistas, os nacionalistas e os islamistas. Temas como a tortura, o estupro, a repressão política, a luta pela liberdade de costumes e de expressão são constantemente abordados na película, tornando-a no mínimo bastante controversa…
A polêmica vem do próprio Estado Iraniano, que afirma que a autora deturpa as tradições islâmicas, servindo de munição para os detratores da teocracia xiita. A abolição da oposição, a radicalização dos costumes – representados pelo uso do véu, o reduzido papel da mulher e a repressão cultural – estão lado a lado com temas mais recentes como a Guerra Irã-Iraque e as formas de resistência política à dominação islâmica.
Também polêmico é o tema da adaptação da jovem iraniana à pluralidade dos costumes e valores no Ocidente. A passagem da personagem pela Áustria é marcada por um misto de admiração e estupefação, dada a liberdade radical de costumes aliada ao preconceito étnico e o individualismo extremados. Abandono, solidão, incompreensão e desprezo são a marca da passagem da jovem pelas terras européias. É um belo tratado sobre a formação de uma identidade multicultural, construída a partir da mescla de elementos orientais e ocidentais, seculares e religiosos, tradicionais e modernos…
A música é bela e a fotografia do filme, repleta de contrastes de claro-e-escuro, é de uma beleza ímpar, assemelhado a uma tela ou uma película do expressionismo alemão do início do século XX. O jogo entre luzes e sombras realça a dramaticidade da trama, tornando-a revestida de lirismo e de expressividade ímpares.
Parabéns ao filme, parabéns aos quadrinhos! É um filme bonito de ver, que nos faz pensar e nos emocionar com as desventuras de uma bela garotinha persa, cuja realeza de gestos e atitudes se transfere para os seus pensamentos e devaneios. Vale a pena ver, se emocionar e refletir…

SESSÃO DE CINEMA – "PERSÉPOLIS"

Meus queridos leitores, esse Escriba que vos fala está blogando diretamente da limpa, rica e organizada cidade de São José dos Campos, encravada em pleno Vale do Paraíba – região histórica da cafeicultura brasileira. Hoje, é uma terra dos aviões e da indústria aeroespacial, posto estarem aqui localizadas a Embraer, o Centro Tecnológico da Aeronáutica (CTA) e o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA). Terra de riquezas de outrora, agora local de tecnologia de ponta, pois é daqui que saem os nossos aviões de médio porte que tanto encantam passageiros e companhias aéreas do mundo inteiro – produzidos pelo que há de melhor na inteligência tecnológica nacional…
No início dessa semana, antes de vir para cá, assisti uma película que eu estava muito a fim de ver. Eu já tinha lido o livro, e fiquei muito curioso em ver como seria a sua transposição para a telona.
Particularmente, não gosto muito de filmes de animação – padrões Pixar e Walt Disney não me atraem muito, talvez pelo caráter infantilizado das personagens, bem como o teor excessivamente americano das piadas e dos diálogos. No entanto, fui ver uma animação prá lá de especial. Trata -se do longa Persépolis (2007), uma adaptação para o cinema da história em quadrinhos do mesmo nome, concebido pela artista iraniana radicada em Paris, Marjane Satrapi, filmado em parceria com o diretor francês Vincent Paronnoud.
Longe de ser um festival de animações gráficas via uso intensivo de recursos computacionais, Persépolis é repleto de lirismo e beleza incomparáveis, em grande parte graças ao uso expressivo da fotografia em preto-e-branco. Assim como a coleção completa dos quadrinhos – publicada no Brasil pela Companhia das Letras -, a trama é um relato da vida da autora, abrangendo desde a infância marcada pelo ambiente de radicalização política proporcionada pela queda do Xá Reza Pahlavi e a posterior Revolução Islâmica dos anos 1980 – comandada pelo Aiatolá Khomeini -, até o seu exílio na Europa durante a adolescência, marcado pela separação da família e pelas dificuldades em adaptar-se e ser aceita no Ocidente – um tremendo “choque” cultural…
É o relato singelo de uma criança que teve a chance de passar pelas agruras de um país tradicional, de raízes históricas consolidadas e com uma tradição cultural milenar, que passou de um regime ditatorial títere das potências ocidentais para um Estado fundamentalista islâmico, regido pela sharia e pelos preceitos muçulmanos xiitas. Para quem não conhece o Irã e acha que todos os países situados no Oriente Médio são iguais, a película é uma aula de história contemporânea. A ancestral cultura persa é apresentada de maneira apropriada, bem como as desventuras políticas do país: a presença de defensores de um alinhamento com o Ocidente, os comunistas, os nacionalistas e os islamistas. Temas como a tortura, o estupro, a repressão política, a luta pela liberdade de costumes e de expressão são constantemente abordados na película, tornando-a no mínimo bastante controversa…
A polêmica vem do próprio Estado Iraniano, que afirma que a autora deturpa as tradições islâmicas, servindo de munição para os detratores da teocracia xiita. A abolição da oposição, a radicalização dos costumes – representados pelo uso do véu, o reduzido papel da mulher e a repressão cultural – estão lado a lado com temas mais recentes como a Guerra Irã-Iraque e as formas de resistência política à dominação islâmica.
Também polêmico é o tema da adaptação da jovem iraniana à pluralidade dos costumes e valores no Ocidente. A passagem da personagem pela Áustria é marcada por um misto de admiração e estupefação, dada a liberdade radical de costumes aliada ao preconceito étnico e o individualismo extremados. Abandono, solidão, incompreensão e desprezo são a marca da passagem da jovem pelas terras européias. É um belo tratado sobre a formação de uma identidade multicultural, construída a partir da mescla de elementos orientais e ocidentais, seculares e religiosos, tradicionais e modernos…
A música é bela e a fotografia do filme, repleta de contrastes de claro-e-escuro, é de uma beleza ímpar, assemelhado a uma tela ou uma película do expressionismo alemão do início do século XX. O jogo entre luzes e sombras realça a dramaticidade da trama, tornando-a revestida de lirismo e de expressividade ímpares.
Parabéns ao filme, parabéns aos quadrinhos! É um filme bonito de ver, que nos faz pensar e nos emocionar com as desventuras de uma bela garotinha persa, cuja realeza de gestos e atitudes se transfere para os seus pensamentos e devaneios. Vale a pena ver, se emocionar e refletir…

SESSÃO DE CINEMA – "PERSÉPOLIS"

Meus queridos leitores, esse Escriba que vos fala está blogando diretamente da limpa, rica e organizada cidade de São José dos Campos, encravada em pleno Vale do Paraíba – região histórica da cafeicultura brasileira. Hoje, é uma terra dos aviões e da indústria aeroespacial, posto estarem aqui localizadas a Embraer, o Centro Tecnológico da Aeronáutica (CTA) e o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA). Terra de riquezas de outrora, agora local de tecnologia de ponta, pois é daqui que saem os nossos aviões de médio porte que tanto encantam passageiros e companhias aéreas do mundo inteiro – produzidos pelo que há de melhor na inteligência tecnológica nacional…
No início dessa semana, antes de vir para cá, assisti uma película que eu estava muito a fim de ver. Eu já tinha lido o livro, e fiquei muito curioso em ver como seria a sua transposição para a telona.
Particularmente, não gosto muito de filmes de animação – padrões Pixar e Walt Disney não me atraem muito, talvez pelo caráter infantilizado das personagens, bem como o teor excessivamente americano das piadas e dos diálogos. No entanto, fui ver uma animação prá lá de especial. Trata -se do longa Persépolis (2007), uma adaptação para o cinema da história em quadrinhos do mesmo nome, concebido pela artista iraniana radicada em Paris, Marjane Satrapi, filmado em parceria com o diretor francês Vincent Paronnoud.
Longe de ser um festival de animações gráficas via uso intensivo de recursos computacionais, Persépolis é repleto de lirismo e beleza incomparáveis, em grande parte graças ao uso expressivo da fotografia em preto-e-branco. Assim como a coleção completa dos quadrinhos – publicada no Brasil pela Companhia das Letras -, a trama é um relato da vida da autora, abrangendo desde a infância marcada pelo ambiente de radicalização política proporcionada pela queda do Xá Reza Pahlavi e a posterior Revolução Islâmica dos anos 1980 – comandada pelo Aiatolá Khomeini -, até o seu exílio na Europa durante a adolescência, marcado pela separação da família e pelas dificuldades em adaptar-se e ser aceita no Ocidente – um tremendo “choque” cultural…
É o relato singelo de uma criança que teve a chance de passar pelas agruras de um país tradicional, de raízes históricas consolidadas e com uma tradição cultural milenar, que passou de um regime ditatorial títere das potências ocidentais para um Estado fundamentalista islâmico, regido pela sharia e pelos preceitos muçulmanos xiitas. Para quem não conhece o Irã e acha que todos os países situados no Oriente Médio são iguais, a película é uma aula de história contemporânea. A ancestral cultura persa é apresentada de maneira apropriada, bem como as desventuras políticas do país: a presença de defensores de um alinhamento com o Ocidente, os comunistas, os nacionalistas e os islamistas. Temas como a tortura, o estupro, a repressão política, a luta pela liberdade de costumes e de expressão são constantemente abordados na película, tornando-a no mínimo bastante controversa…
A polêmica vem do próprio Estado Iraniano, que afirma que a autora deturpa as tradições islâmicas, servindo de munição para os detratores da teocracia xiita. A abolição da oposição, a radicalização dos costumes – representados pelo uso do véu, o reduzido papel da mulher e a repressão cultural – estão lado a lado com temas mais recentes como a Guerra Irã-Iraque e as formas de resistência política à dominação islâmica.
Também polêmico é o tema da adaptação da jovem iraniana à pluralidade dos costumes e valores no Ocidente. A passagem da personagem pela Áustria é marcada por um misto de admiração e estupefação, dada a liberdade radical de costumes aliada ao preconceito étnico e o individualismo extremados. Abandono, solidão, incompreensão e desprezo são a marca da passagem da jovem pelas terras européias. É um belo tratado sobre a formação de uma identidade multicultural, construída a partir da mescla de elementos orientais e ocidentais, seculares e religiosos, tradicionais e modernos…
A música é bela e a fotografia do filme, repleta de contrastes de claro-e-escuro, é de uma beleza ímpar, assemelhado a uma tela ou uma película do expressionismo alemão do início do século XX. O jogo entre luzes e sombras realça a dramaticidade da trama, tornando-a revestida de lirismo e de expressividade ímpares.
Parabéns ao filme, parabéns aos quadrinhos! É um filme bonito de ver, que nos faz pensar e nos emocionar com as desventuras de uma bela garotinha persa, cuja realeza de gestos e atitudes se transfere para os seus pensamentos e devaneios. Vale a pena ver, se emocionar e refletir…

>MILEURISTAS, UMA NOVA FORMA DE PRECARIEDADE SOCIAL

>

A alma brasileira, dentre várias nuances, possui um caráter paradoxal, posto sermos um país – e, por extensão, uma sociedade – que vive na eterna expectativa de um futuro grandioso a vir, onde os males da pobreza, da desiguldade e da exclusão social serão finalmente erradicadas. Dessa maneira, vivemos em uma espécie de futuro do pretérito, encarcerados no intervalo entre um passado colonial, um presente patrimonialista e um futuro “róseo”. Daí, a nossa alma oscilar em um movimento pendular entre a revolta com o descaso dos dirigentes e políticos, e a euforia e o ufanismo do esporte, da música e de outras manifestações culturais que porventura levantam a nossa auto-estima…

Os brasileiros costumam fazer uma piada aproveitando o dito popular de que, pelo fato de Deus ser brasileiro, ele colocou aqui tudo de bom e de ruim. Ao mesmo tempo que somos um país de repleto de riquezas e belezas naturais, sem terremotos, furacões, vulcões e tsunamis (há controvérsias!), temos habitantes que se comportam de maneira predatória e descompromissada com o bem-estar do país. Daí o paradoxo: país bom, governantes incompetentes. Por isso, achamos que tudo de ruim que ocorre no mundo inteiro é elevado a enésima potência no Brasil…

Meus queridos compatriotas, menos: devagar com o andor, que o santo é de barro! Ou então, nem tanto ao mar, nem tanto à terra!

Em agosto de 2007, uma carta que chegou à redação do periódico espanhol El País chamou a atenção de cientistas sociais e estudiosos do consumo. Assinada por uma jovem publicitária catalã, a carta era um libelo acerca da emergência de um novo segmento de consumidores: os mileuristas. Logo, o que parecia ser um simples e bem-humorado desabafo de uma jovem frustrada em seus sonhos de ascensão social, acabou se tornou fonte de um debate que se espalha pela cena intelectual européia (http://www.elpais.com/articulo/portada/generacion/mil/euros/elpepusocdmg/20051023elpdmgpor_1/Tes)

Mileuristas – ou ” aqueles que ganham mil euros mensais” – compõem uma nova geração de jovens europeus, bastante escolarizados (com cursos de graduação, extensão, aperfeiçoamento, especialização e pós-graduação), que falam dois ou mais idiomas, super-informados, mas cujos rendimentos se situam muito abaixo do investimento educacional que fizeram ao longo da vida. São pessoas que, sozinhas, não teriam dinheiro suficiente para pagar o aluguel de um apartamento situado nas grandes cidades – estes gostam de residir nestas áreas. Daí, a opção de viver em “repúblicas”, dividindo as despesas domésticas com mais três ou quatro colegas. Além disso, não têm filhos, não possuem carro e não têm condições de comprar sua casa própria. Sem sombra de dúvida, é uma nova forma de pobreza e precariedade social – com um pouco mais de charme, é claro, mas que não deixa de ser dramática…

O mais grave é que, longe de ser um fenômeno exclusivamente espanhol, os mileuristas estão se espalhando a passos largos por toda a Europa. Só na Espanha, segundo dados da União Européia, apenas 40% dos estudantes universitários têm um emprego à altura de suas qualificações. Segundo o cientista social Louis Chauvel, em um artigo publicado no Nouvel Observateur, a pobreza atual é a de jovens super-qualificados, e não mais a dos agricultores e artesãos pouco escolarizados – característica do final do século XIX e início do século XX.

Os mileuristas questionam um truísmo clássico das sociedades ocidentais: o de que o investimento educacional leva, necessariamente, a uma melhoria do nível salarial e de emprego. Ao contrário disso, são jovens que vivem com o seu dinheiro contado, cada vez mais frustrados em seus sonhos dada a excessiva oferta de bens de consumo como eletroeletrônicos, computadores, telefones celulares, PDAs e outros gadgets. São ávidos pela internet, mas acessam a rede do trabalho ou nos cybers cafés, por não possuírem conexão de banda larga em casa. Adoram jantar fora, mas só frequentam restaurantes onde o preço caiba em seus orçamentos. São antenados com as últimas tendências da moda, mas compram apenas em liquidações ou em lojas de departamentos (como, por exemplo, em cadeias como Zara, Massimo Duti e Mango), dadas as suas restrições orçamentárias óbvias. Ou seja, possuem uma infinidade de desejos de consumo, mas o poder de compra frustra-os imediatamente. Neles, a máxima querer não é poder está na ordem do dia de suas vidas…

Conforme o tempo passa, a sensação desses jovens é um mix de frustração, desânimo e angústia – afinal, têm a clara percepção de que correm para chegar a lugar algum. Muitos se sentem “ultrapassados” ou “velhos” demais para o mercado de trabalho, e se recriminam por ter começado a sua vida profissional tarde demais. Qualificações acadêmicas e intelectuais não faltam – dado o volume de diplomas universitários acumulados por eles -, mas acabam se engajando em “bicos” ou sub-empregos, tais como operadores de call-centers, auxiliares administrativos, guias turísticos e de museus, e atendentes de lojas em shopping centers

As explicações para esse fenômeno são inúmeras, mas todas giram em torno da explosão das matrículas dos jovens em cursos universitários. O acesso maior da população ao ensino superior levou a uma commoditização dos diplomas, elevando as exigências e os níveis de qualificação para o ingresso nos postos mais disputados do mercado de trabalho. Não raro, nos dias de hoje exige-se dos jovens diplomas de graduação e de pós em universidades de ponta, três ou mais idiomas, domínio de informática complexa, e outras qualificações mais. Muitos, por causa disto, investem seu tempo e dinheiro no desenvolvimento destas competências, acabando por retardar o seu ingresso no mercado de trabalho. Daí, quando se sentem aptos, descobrem a dura realidade: as vagas já estão preenchidas, e novas qualificações estão sendo exigidas…

Paralisados no intervalo da semi-independência – independência dos pais, dependência dos amigos -, trabalhando de maneira precária, e sem condições de formar uma sólida poupança, esses jovens adensam um segmento social cada vez maior de “novos pobres e precários”. São jovens que acreditaram no caminho preconizado pelos seus pais, pelo mercado e pelo Estado, mas que fracassaram – até então – em seu percurso rumo à sustentabilidade. São o fruto de uma “Modernidade Líquida” – segundo conceituação do sociólogo Zygmunt Bauman -, que aprenderam a duras penas a não fazer planos, e a viver cada dia das suas vidas como se fosse o último…

Sem rumo, nem eira nem beira, vivem na expecativa de romper algum dia esse ciclo vicioso de precariedade. Enquanto isso trabalham arduamente, seguindo à risca o lema carpe diem (aproveite o dia), e continuam enviando currículos, mandando e-mails, adensando o seu network e correndo de uma entrevista de emprego para outra. No entanto, perderam a idéia de linearidade e de progresso. Ao invés da vida ser uma escada em direção ao conforto do futuro, sentem-se dando voltas a redor do mesmo ponto, tal como ratos de laboratório, tentando encontrar uma saída do labirinto no qual encontram-se presos…

Apesar de formados, sentem-se como eternos estudantes. E, mais do que isso, estão cansados, muito cansados…

Será que isso também está acontecendo no Brasil? Como será que estão os nossos jovens urbanos, bem informados, altamente escolarizados, que vivem nos grandes centros urbanos?

MILEURISTAS, UMA NOVA FORMA DE PRECARIEDADE SOCIAL

A alma brasileira, dentre várias nuances, possui um caráter paradoxal, posto sermos um país – e, por extensão, uma sociedade – que vive na eterna expectativa de um futuro grandioso a vir, onde os males da pobreza, da desiguldade e da exclusão social serão finalmente erradicadas. Dessa maneira, vivemos em uma espécie de futuro do pretérito, encarcerados no intervalo entre um passado colonial, um presente patrimonialista e um futuro “róseo”. Daí, a nossa alma oscilar em um movimento pendular entre a revolta com o descaso dos dirigentes e políticos, e a euforia e o ufanismo do esporte, da música e de outras manifestações culturais que porventura levantam a nossa auto-estima…

Os brasileiros costumam fazer uma piada aproveitando o dito popular de que, pelo fato de Deus ser brasileiro, ele colocou aqui tudo de bom e de ruim. Ao mesmo tempo que somos um país de repleto de riquezas e belezas naturais, sem terremotos, furacões, vulcões e tsunamis (há controvérsias!), temos habitantes que se comportam de maneira predatória e descompromissada com o bem-estar do país. Daí o paradoxo: país bom, governantes incompetentes. Por isso, achamos que tudo de ruim que ocorre no mundo inteiro é elevado a enésima potência no Brasil…

Meus queridos compatriotas, menos: devagar com o andor, que o santo é de barro! Ou então, nem tanto ao mar, nem tanto à terra!

Em agosto de 2007, uma carta que chegou à redação do periódico espanhol El País chamou a atenção de cientistas sociais e estudiosos do consumo. Assinada por uma jovem publicitária catalã, a carta era um libelo acerca da emergência de um novo segmento de consumidores: os mileuristas. Logo, o que parecia ser um simples e bem-humorado desabafo de uma jovem frustrada em seus sonhos de ascensão social, acabou se tornou fonte de um debate que se espalha pela cena intelectual européia (http://www.elpais.com/articulo/portada/generacion/mil/euros/elpepusocdmg/20051023elpdmgpor_1/Tes)

Mileuristas – ou ” aqueles que ganham mil euros mensais” – compõem uma nova geração de jovens europeus, bastante escolarizados (com cursos de graduação, extensão, aperfeiçoamento, especialização e pós-graduação), que falam dois ou mais idiomas, super-informados, mas cujos rendimentos se situam muito abaixo do investimento educacional que fizeram ao longo da vida. São pessoas que, sozinhas, não teriam dinheiro suficiente para pagar o aluguel de um apartamento situado nas grandes cidades – estes gostam de residir nestas áreas. Daí, a opção de viver em “repúblicas”, dividindo as despesas domésticas com mais três ou quatro colegas. Além disso, não têm filhos, não possuem carro e não têm condições de comprar sua casa própria. Sem sombra de dúvida, é uma nova forma de pobreza e precariedade social – com um pouco mais de charme, é claro, mas que não deixa de ser dramática…

O mais grave é que, longe de ser um fenômeno exclusivamente espanhol, os mileuristas estão se espalhando a passos largos por toda a Europa. Só na Espanha, segundo dados da União Européia, apenas 40% dos estudantes universitários têm um emprego à altura de suas qualificações. Segundo o cientista social Louis Chauvel, em um artigo publicado no Nouvel Observateur, a pobreza atual é a de jovens super-qualificados, e não mais a dos agricultores e artesãos pouco escolarizados – característica do final do século XIX e início do século XX.

Os mileuristas questionam um truísmo clássico das sociedades ocidentais: o de que o investimento educacional leva, necessariamente, a uma melhoria do nível salarial e de emprego. Ao contrário disso, são jovens que vivem com o seu dinheiro contado, cada vez mais frustrados em seus sonhos dada a excessiva oferta de bens de consumo como eletroeletrônicos, computadores, telefones celulares, PDAs e outros gadgets. São ávidos pela internet, mas acessam a rede do trabalho ou nos cybers cafés, por não possuírem conexão de banda larga em casa. Adoram jantar fora, mas só frequentam restaurantes onde o preço caiba em seus orçamentos. São antenados com as últimas tendências da moda, mas compram apenas em liquidações ou em lojas de departamentos (como, por exemplo, em cadeias como Zara, Massimo Duti e Mango), dadas as suas restrições orçamentárias óbvias. Ou seja, possuem uma infinidade de desejos de consumo, mas o poder de compra frustra-os imediatamente. Neles, a máxima querer não é poder está na ordem do dia de suas vidas…

Conforme o tempo passa, a sensação desses jovens é um mix de frustração, desânimo e angústia – afinal, têm a clara percepção de que correm para chegar a lugar algum. Muitos se sentem “ultrapassados” ou “velhos” demais para o mercado de trabalho, e se recriminam por ter começado a sua vida profissional tarde demais. Qualificações acadêmicas e intelectuais não faltam – dado o volume de diplomas universitários acumulados por eles -, mas acabam se engajando em “bicos” ou sub-empregos, tais como operadores de call-centers, auxiliares administrativos, guias turísticos e de museus, e atendentes de lojas em shopping centers

As explicações para esse fenômeno são inúmeras, mas todas giram em torno da explosão das matrículas dos jovens em cursos universitários. O acesso maior da população ao ensino superior levou a uma commoditização dos diplomas, elevando as exigências e os níveis de qualificação para o ingresso nos postos mais disputados do mercado de trabalho. Não raro, nos dias de hoje exige-se dos jovens diplomas de graduação e de pós em universidades de ponta, três ou mais idiomas, domínio de informática complexa, e outras qualificações mais. Muitos, por causa disto, investem seu tempo e dinheiro no desenvolvimento destas competências, acabando por retardar o seu ingresso no mercado de trabalho. Daí, quando se sentem aptos, descobrem a dura realidade: as vagas já estão preenchidas, e novas qualificações estão sendo exigidas…

Paralisados no intervalo da semi-independência – independência dos pais, dependência dos amigos -, trabalhando de maneira precária, e sem condições de formar uma sólida poupança, esses jovens adensam um segmento social cada vez maior de “novos pobres e precários”. São jovens que acreditaram no caminho preconizado pelos seus pais, pelo mercado e pelo Estado, mas que fracassaram – até então – em seu percurso rumo à sustentabilidade. São o fruto de uma “Modernidade Líquida” – segundo conceituação do sociólogo Zygmunt Bauman -, que aprenderam a duras penas a não fazer planos, e a viver cada dia das suas vidas como se fosse o último…

Sem rumo, nem eira nem beira, vivem na expecativa de romper algum dia esse ciclo vicioso de precariedade. Enquanto isso trabalham arduamente, seguindo à risca o lema carpe diem (aproveite o dia), e continuam enviando currículos, mandando e-mails, adensando o seu network e correndo de uma entrevista de emprego para outra. No entanto, perderam a idéia de linearidade e de progresso. Ao invés da vida ser uma escada em direção ao conforto do futuro, sentem-se dando voltas a redor do mesmo ponto, tal como ratos de laboratório, tentando encontrar uma saída do labirinto no qual encontram-se presos…

Apesar de formados, sentem-se como eternos estudantes. E, mais do que isso, estão cansados, muito cansados…

Será que isso também está acontecendo no Brasil? Como será que estão os nossos jovens urbanos, bem informados, altamente escolarizados, que vivem nos grandes centros urbanos?

MILEURISTAS, UMA NOVA FORMA DE PRECARIEDADE SOCIAL

A alma brasileira, dentre várias nuances, possui um caráter paradoxal, posto sermos um país – e, por extensão, uma sociedade – que vive na eterna expectativa de um futuro grandioso a vir, onde os males da pobreza, da desiguldade e da exclusão social serão finalmente erradicadas. Dessa maneira, vivemos em uma espécie de futuro do pretérito, encarcerados no intervalo entre um passado colonial, um presente patrimonialista e um futuro “róseo”. Daí, a nossa alma oscilar em um movimento pendular entre a revolta com o descaso dos dirigentes e políticos, e a euforia e o ufanismo do esporte, da música e de outras manifestações culturais que porventura levantam a nossa auto-estima…

Os brasileiros costumam fazer uma piada aproveitando o dito popular de que, pelo fato de Deus ser brasileiro, ele colocou aqui tudo de bom e de ruim. Ao mesmo tempo que somos um país de repleto de riquezas e belezas naturais, sem terremotos, furacões, vulcões e tsunamis (há controvérsias!), temos habitantes que se comportam de maneira predatória e descompromissada com o bem-estar do país. Daí o paradoxo: país bom, governantes incompetentes. Por isso, achamos que tudo de ruim que ocorre no mundo inteiro é elevado a enésima potência no Brasil…

Meus queridos compatriotas, menos: devagar com o andor, que o santo é de barro! Ou então, nem tanto ao mar, nem tanto à terra!

Em agosto de 2007, uma carta que chegou à redação do periódico espanhol El País chamou a atenção de cientistas sociais e estudiosos do consumo. Assinada por uma jovem publicitária catalã, a carta era um libelo acerca da emergência de um novo segmento de consumidores: os mileuristas. Logo, o que parecia ser um simples e bem-humorado desabafo de uma jovem frustrada em seus sonhos de ascensão social, acabou se tornou fonte de um debate que se espalha pela cena intelectual européia (http://www.elpais.com/articulo/portada/generacion/mil/euros/elpepusocdmg/20051023elpdmgpor_1/Tes)

Mileuristas – ou ” aqueles que ganham mil euros mensais” – compõem uma nova geração de jovens europeus, bastante escolarizados (com cursos de graduação, extensão, aperfeiçoamento, especialização e pós-graduação), que falam dois ou mais idiomas, super-informados, mas cujos rendimentos se situam muito abaixo do investimento educacional que fizeram ao longo da vida. São pessoas que, sozinhas, não teriam dinheiro suficiente para pagar o aluguel de um apartamento situado nas grandes cidades – estes gostam de residir nestas áreas. Daí, a opção de viver em “repúblicas”, dividindo as despesas domésticas com mais três ou quatro colegas. Além disso, não têm filhos, não possuem carro e não têm condições de comprar sua casa própria. Sem sombra de dúvida, é uma nova forma de pobreza e precariedade social – com um pouco mais de charme, é claro, mas que não deixa de ser dramática…

O mais grave é que, longe de ser um fenômeno exclusivamente espanhol, os mileuristas estão se espalhando a passos largos por toda a Europa. Só na Espanha, segundo dados da União Européia, apenas 40% dos estudantes universitários têm um emprego à altura de suas qualificações. Segundo o cientista social Louis Chauvel, em um artigo publicado no Nouvel Observateur, a pobreza atual é a de jovens super-qualificados, e não mais a dos agricultores e artesãos pouco escolarizados – característica do final do século XIX e início do século XX.

Os mileuristas questionam um truísmo clássico das sociedades ocidentais: o de que o investimento educacional leva, necessariamente, a uma melhoria do nível salarial e de emprego. Ao contrário disso, são jovens que vivem com o seu dinheiro contado, cada vez mais frustrados em seus sonhos dada a excessiva oferta de bens de consumo como eletroeletrônicos, computadores, telefones celulares, PDAs e outros gadgets. São ávidos pela internet, mas acessam a rede do trabalho ou nos cybers cafés, por não possuírem conexão de banda larga em casa. Adoram jantar fora, mas só frequentam restaurantes onde o preço caiba em seus orçamentos. São antenados com as últimas tendências da moda, mas compram apenas em liquidações ou em lojas de departamentos (como, por exemplo, em cadeias como Zara, Massimo Duti e Mango), dadas as suas restrições orçamentárias óbvias. Ou seja, possuem uma infinidade de desejos de consumo, mas o poder de compra frustra-os imediatamente. Neles, a máxima querer não é poder está na ordem do dia de suas vidas…

Conforme o tempo passa, a sensação desses jovens é um mix de frustração, desânimo e angústia – afinal, têm a clara percepção de que correm para chegar a lugar algum. Muitos se sentem “ultrapassados” ou “velhos” demais para o mercado de trabalho, e se recriminam por ter começado a sua vida profissional tarde demais. Qualificações acadêmicas e intelectuais não faltam – dado o volume de diplomas universitários acumulados por eles -, mas acabam se engajando em “bicos” ou sub-empregos, tais como operadores de call-centers, auxiliares administrativos, guias turísticos e de museus, e atendentes de lojas em shopping centers

As explicações para esse fenômeno são inúmeras, mas todas giram em torno da explosão das matrículas dos jovens em cursos universitários. O acesso maior da população ao ensino superior levou a uma commoditização dos diplomas, elevando as exigências e os níveis de qualificação para o ingresso nos postos mais disputados do mercado de trabalho. Não raro, nos dias de hoje exige-se dos jovens diplomas de graduação e de pós em universidades de ponta, três ou mais idiomas, domínio de informática complexa, e outras qualificações mais. Muitos, por causa disto, investem seu tempo e dinheiro no desenvolvimento destas competências, acabando por retardar o seu ingresso no mercado de trabalho. Daí, quando se sentem aptos, descobrem a dura realidade: as vagas já estão preenchidas, e novas qualificações estão sendo exigidas…

Paralisados no intervalo da semi-independência – independência dos pais, dependência dos amigos -, trabalhando de maneira precária, e sem condições de formar uma sólida poupança, esses jovens adensam um segmento social cada vez maior de “novos pobres e precários”. São jovens que acreditaram no caminho preconizado pelos seus pais, pelo mercado e pelo Estado, mas que fracassaram – até então – em seu percurso rumo à sustentabilidade. São o fruto de uma “Modernidade Líquida” – segundo conceituação do sociólogo Zygmunt Bauman -, que aprenderam a duras penas a não fazer planos, e a viver cada dia das suas vidas como se fosse o último…

Sem rumo, nem eira nem beira, vivem na expecativa de romper algum dia esse ciclo vicioso de precariedade. Enquanto isso trabalham arduamente, seguindo à risca o lema carpe diem (aproveite o dia), e continuam enviando currículos, mandando e-mails, adensando o seu network e correndo de uma entrevista de emprego para outra. No entanto, perderam a idéia de linearidade e de progresso. Ao invés da vida ser uma escada em direção ao conforto do futuro, sentem-se dando voltas a redor do mesmo ponto, tal como ratos de laboratório, tentando encontrar uma saída do labirinto no qual encontram-se presos…

Apesar de formados, sentem-se como eternos estudantes. E, mais do que isso, estão cansados, muito cansados…

Será que isso também está acontecendo no Brasil? Como será que estão os nossos jovens urbanos, bem informados, altamente escolarizados, que vivem nos grandes centros urbanos?

>SESSÃO DE CINEMA – "SENHORES DO CRIME"

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Estreou na semana passada o último filme do diretor canadense David Cronemberg, mais conhecido por suas películas “estranhas”, suas histórias bizarras e seus personagens um tanto quanto mentalmente perturbados. Nem preciso dizer que esse Escriba é fã do diretor, e é quase uma obrigação moral e intelectual correr ao cinema para ver os seus filmes…

Autor de uma vasta filmografia, Cronemberg faz filmes densos, difíceis de ver, repletos de histórias intrincadas e personagens prá lá de bizarros. Sua carreira iniciou-se com filmes de terror um tanto quanto não convencionais – por exemplo, Enraivecida na Fúria do Sexo (de 1977), Scanner (de 1981), Videodrome (de 1983) e o lúgubre Na Hora da Zona Morta (de 1983). No final da década de 1980, sua temática predileta voltou-se para o corpo, sua funções orgânicas, suas mutilações e mutações – caso de filmes como A Mosca (de 1986), o genialíssimo e seminal Gêmeos: Uma Mórbida Semelhança (1988), o estranhíssimo Crash: Estranhos Prazeres (de 1996) e eXistenZ (de 1999) -, bem como a loucura e a destruição psíquica – como Mistérios e Paixões (de 1991), M. Butterfley (de 1993) e o fantástico Spider (de 2002), com uma memorável interpretação de Ralph Fiennes.

Ultimamente, os fãs de carteirinha de Cronemberg notaram que os seus últimos filmes vêm se tornando mais “palatáveis” e “digeríveis” para o público mais amplo – esse é o caso do seu penúltimo filme, Marcas da Violência (de 2005) -, e muitos entenderam nesse movimento uma necessidade de adaptar as suas películas para uma audiência maior, mainstream. Bullshit, diz esse Escriba: se a escatologia e as mutações corporais – marcas registradas do cineasta – estão bastante atenuadas, suas tramas continuam povoadas de personagem bizarros e prá lá de “estranhos” e “exóticos” – para sermos um tanto o quanto educados. Ou seja, a sua marca registrada continua presente…
Senhores do Crime (Eastern Promises, de 2007) é a última pérola do cineasta, e é um filmaço!(também, pudera, sou fã do cara!!!). Falando sério, Cronemberg conseguiu contar uma história relativamente comum – afinal, o que mais o cinema produziu nos últimos tempos foram filmes de gangsters e sobre o crime oganizado – de uma maneira que, para quem conhece a sua obra, reconhece a existência de sua assinatura. Todos os elementos que caracterizam as suas histórias estão lá presentes: a esquizofrenia das personagens, as transformações do corpo – no caso das tatuagens que recobrem o corpo dos criminosos -, a violência desmesurada, e a aridez emocional e o caráter borderline das personagens, contrastando com a emotividade e a humanidade da atriz do filme – um oásis no meio do deserto… Resultado: um clima noir e pesado de opressão psicológica, onde a atmosfera fria e escura de Londres é o pano de fundo perfeito para a escuridão do restante das personagens…
A trama é construída a partir da história da parteira Anna (vivida pela belíssima Naomi Watts), descendente de russos, que presencia em um plantão noturno a morte de uma jovem russa por overdose e maus tratos, deixando órfã uma menina. Trata-se de um simples caso de uma pessoa comum, mas que se encontra no lugar errado e na ocasião errada…
Ao iniciar o périplo para desvendar a história da jovem, Anna cai no submundo do crime organizado londrino. A personagem se depara com a rede interacional de tráfico de armas, drogas, contrabando e prostituição, comandada pela máfia russa Vory V Zakone. Uma verdadeira irmandade do crime, cujo um dos braços é comandado pelo “simpático” e “terno” avô de família Seymon (uma irretocável interpretação de Armin Mueller-Stahl), dono de um restaurante siberiano, que comanda festas para a comunidade russa tendo ao seu lado o patético, infantil e incompetente Kirill (Vincent Cassell), seu herdeiro nos negócios. O infantilidade de Kirill é contrabalançada pela presença de seu fiel escoteiro, o soturno e enigmático motorista Nikolai (uma monstruosa interpretação de Viggo Mortensen, que lhe valeu uma indicação ao Oscar de Melhor Ator desse ano). Sua função – além de dirigir, é claro – é zelar pela segurança dos negócios da família e, eventualmente, clean up the mess feita por Kirill…
Não cabe aqui relatar o restante da trama, mas a chave para a compreensão do filme é o caráter “esquizofrênico” das personagens, isto é, a sua duplicidade de caráter. Como numa obra barroca, claridade e escuridão se alternam – pendendo muito mais para o escuro… Excetuando-se Anna, todo o restante das personagens oscilam entre a luminosidade e a sombra, a civilidade e a pura violência, a gentileza dos gestos milimetricamente encenados e a explosão de agressividade que não encontra fim quando detonada…
A ressaltar a beleza plástica da fotografia do filme – as cenas do restaurante são tão belas que me lembraram outro filme, também meu predileto, O Cozinheiro, o Ladrão, a Mulher e Seu Amante, do cineasta e artista plástico inglês Peter Greenaway -, as marcas na carne das personagens feitas a partir de tatuagens que contam as suas histórias de vida, tal como hieróglifos impressos no corpo, e máscara “robótica” de quase todos na trama – mais uma vez, excetuando-se Anna -, que agem sem saber direito o porquê daquilo tudo, apenas lutando pela necessidade animalesca de sobreviver – vejam, por exemplo, a cena de luta na sauna, que já se tornou memorável na história do cinema recente. E, o mais interessante, a dubiedade arrasta-se até a última cena do filme…
Como disse o colunista Luis Zanin no Estado de S. Paulo, ao comparar O Poderoso Chefão com Senhores do Crime: onde Coppola é solar, Cronemberg é sombrio, soturno. É indicado, principalmente, para aqueles que se interessam profundamente pela escuridão da alma humana. Justamente este foi um dos motivos que me levaram a estudar Psicologia. E é também por isto que eu sou fã dos filmes de David Cronemberg

SESSÃO DE CINEMA – "SENHORES DO CRIME"

Estreou na semana passada o último filme do diretor canadense David Cronemberg, mais conhecido por suas películas “estranhas”, suas histórias bizarras e seus personagens um tanto quanto mentalmente perturbados. Nem preciso dizer que esse Escriba é fã do diretor, e é quase uma obrigação moral e intelectual correr ao cinema para ver os seus filmes…

Autor de uma vasta filmografia, Cronemberg faz filmes densos, difíceis de ver, repletos de histórias intrincadas e personagens prá lá de bizarros. Sua carreira iniciou-se com filmes de terror um tanto quanto não convencionais – por exemplo, Enraivecida na Fúria do Sexo (de 1977), Scanner (de 1981), Videodrome (de 1983) e o lúgubre Na Hora da Zona Morta (de 1983). No final da década de 1980, sua temática predileta voltou-se para o corpo, sua funções orgânicas, suas mutilações e mutações – caso de filmes como A Mosca (de 1986), o genialíssimo e seminal Gêmeos: Uma Mórbida Semelhança (1988), o estranhíssimo Crash: Estranhos Prazeres (de 1996) e eXistenZ (de 1999) -, bem como a loucura e a destruição psíquica – como Mistérios e Paixões (de 1991), M. Butterfley (de 1993) e o fantástico Spider (de 2002), com uma memorável interpretação de Ralph Fiennes.

Ultimamente, os fãs de carteirinha de Cronemberg notaram que os seus últimos filmes vêm se tornando mais “palatáveis” e “digeríveis” para o público mais amplo – esse é o caso do seu penúltimo filme, Marcas da Violência (de 2005) -, e muitos entenderam nesse movimento uma necessidade de adaptar as suas películas para uma audiência maior, mainstream. Bullshit, diz esse Escriba: se a escatologia e as mutações corporais – marcas registradas do cineasta – estão bastante atenuadas, suas tramas continuam povoadas de personagem bizarros e prá lá de “estranhos” e “exóticos” – para sermos um tanto o quanto educados. Ou seja, a sua marca registrada continua presente…
Senhores do Crime (Eastern Promises, de 2007) é a última pérola do cineasta, e é um filmaço!(também, pudera, sou fã do cara!!!). Falando sério, Cronemberg conseguiu contar uma história relativamente comum – afinal, o que mais o cinema produziu nos últimos tempos foram filmes de gangsters e sobre o crime oganizado – de uma maneira que, para quem conhece a sua obra, reconhece a existência de sua assinatura. Todos os elementos que caracterizam as suas histórias estão lá presentes: a esquizofrenia das personagens, as transformações do corpo – no caso das tatuagens que recobrem o corpo dos criminosos -, a violência desmesurada, e a aridez emocional e o caráter borderline das personagens, contrastando com a emotividade e a humanidade da atriz do filme – um oásis no meio do deserto… Resultado: um clima noir e pesado de opressão psicológica, onde a atmosfera fria e escura de Londres é o pano de fundo perfeito para a escuridão do restante das personagens…
A trama é construída a partir da história da parteira Anna (vivida pela belíssima Naomi Watts), descendente de russos, que presencia em um plantão noturno a morte de uma jovem russa por overdose e maus tratos, deixando órfã uma menina. Trata-se de um simples caso de uma pessoa comum, mas que se encontra no lugar errado e na ocasião errada…
Ao iniciar o périplo para desvendar a história da jovem, Anna cai no submundo do crime organizado londrino. A personagem se depara com a rede interacional de tráfico de armas, drogas, contrabando e prostituição, comandada pela máfia russa Vory V Zakone. Uma verdadeira irmandade do crime, cujo um dos braços é comandado pelo “simpático” e “terno” avô de família Seymon (uma irretocável interpretação de Armin Mueller-Stahl), dono de um restaurante siberiano, que comanda festas para a comunidade russa tendo ao seu lado o patético, infantil e incompetente Kirill (Vincent Cassell), seu herdeiro nos negócios. O infantilidade de Kirill é contrabalançada pela presença de seu fiel escoteiro, o soturno e enigmático motorista Nikolai (uma monstruosa interpretação de Viggo Mortensen, que lhe valeu uma indicação ao Oscar de Melhor Ator desse ano). Sua função – além de dirigir, é claro – é zelar pela segurança dos negócios da família e, eventualmente, clean up the mess feita por Kirill…
Não cabe aqui relatar o restante da trama, mas a chave para a compreensão do filme é o caráter “esquizofrênico” das personagens, isto é, a sua duplicidade de caráter. Como numa obra barroca, claridade e escuridão se alternam – pendendo muito mais para o escuro… Excetuando-se Anna, todo o restante das personagens oscilam entre a luminosidade e a sombra, a civilidade e a pura violência, a gentileza dos gestos milimetricamente encenados e a explosão de agressividade que não encontra fim quando detonada…
A ressaltar a beleza plástica da fotografia do filme – as cenas do restaurante são tão belas que me lembraram outro filme, também meu predileto, O Cozinheiro, o Ladrão, a Mulher e Seu Amante, do cineasta e artista plástico inglês Peter Greenaway -, as marcas na carne das personagens feitas a partir de tatuagens que contam as suas histórias de vida, tal como hieróglifos impressos no corpo, e máscara “robótica” de quase todos na trama – mais uma vez, excetuando-se Anna -, que agem sem saber direito o porquê daquilo tudo, apenas lutando pela necessidade animalesca de sobreviver – vejam, por exemplo, a cena de luta na sauna, que já se tornou memorável na história do cinema recente. E, o mais interessante, a dubiedade arrasta-se até a última cena do filme…
Como disse o colunista Luis Zanin no Estado de S. Paulo, ao comparar O Poderoso Chefão com Senhores do Crime: onde Coppola é solar, Cronemberg é sombrio, soturno. É indicado, principalmente, para aqueles que se interessam profundamente pela escuridão da alma humana. Justamente este foi um dos motivos que me levaram a estudar Psicologia. E é também por isto que eu sou fã dos filmes de David Cronemberg

SESSÃO DE CINEMA – "SENHORES DO CRIME"

Estreou na semana passada o último filme do diretor canadense David Cronemberg, mais conhecido por suas películas “estranhas”, suas histórias bizarras e seus personagens um tanto quanto mentalmente perturbados. Nem preciso dizer que esse Escriba é fã do diretor, e é quase uma obrigação moral e intelectual correr ao cinema para ver os seus filmes…

Autor de uma vasta filmografia, Cronemberg faz filmes densos, difíceis de ver, repletos de histórias intrincadas e personagens prá lá de bizarros. Sua carreira iniciou-se com filmes de terror um tanto quanto não convencionais – por exemplo, Enraivecida na Fúria do Sexo (de 1977), Scanner (de 1981), Videodrome (de 1983) e o lúgubre Na Hora da Zona Morta (de 1983). No final da década de 1980, sua temática predileta voltou-se para o corpo, sua funções orgânicas, suas mutilações e mutações – caso de filmes como A Mosca (de 1986), o genialíssimo e seminal Gêmeos: Uma Mórbida Semelhança (1988), o estranhíssimo Crash: Estranhos Prazeres (de 1996) e eXistenZ (de 1999) -, bem como a loucura e a destruição psíquica – como Mistérios e Paixões (de 1991), M. Butterfley (de 1993) e o fantástico Spider (de 2002), com uma memorável interpretação de Ralph Fiennes.

Ultimamente, os fãs de carteirinha de Cronemberg notaram que os seus últimos filmes vêm se tornando mais “palatáveis” e “digeríveis” para o público mais amplo – esse é o caso do seu penúltimo filme, Marcas da Violência (de 2005) -, e muitos entenderam nesse movimento uma necessidade de adaptar as suas películas para uma audiência maior, mainstream. Bullshit, diz esse Escriba: se a escatologia e as mutações corporais – marcas registradas do cineasta – estão bastante atenuadas, suas tramas continuam povoadas de personagem bizarros e prá lá de “estranhos” e “exóticos” – para sermos um tanto o quanto educados. Ou seja, a sua marca registrada continua presente…
Senhores do Crime (Eastern Promises, de 2007) é a última pérola do cineasta, e é um filmaço!(também, pudera, sou fã do cara!!!). Falando sério, Cronemberg conseguiu contar uma história relativamente comum – afinal, o que mais o cinema produziu nos últimos tempos foram filmes de gangsters e sobre o crime oganizado – de uma maneira que, para quem conhece a sua obra, reconhece a existência de sua assinatura. Todos os elementos que caracterizam as suas histórias estão lá presentes: a esquizofrenia das personagens, as transformações do corpo – no caso das tatuagens que recobrem o corpo dos criminosos -, a violência desmesurada, e a aridez emocional e o caráter borderline das personagens, contrastando com a emotividade e a humanidade da atriz do filme – um oásis no meio do deserto… Resultado: um clima noir e pesado de opressão psicológica, onde a atmosfera fria e escura de Londres é o pano de fundo perfeito para a escuridão do restante das personagens…
A trama é construída a partir da história da parteira Anna (vivida pela belíssima Naomi Watts), descendente de russos, que presencia em um plantão noturno a morte de uma jovem russa por overdose e maus tratos, deixando órfã uma menina. Trata-se de um simples caso de uma pessoa comum, mas que se encontra no lugar errado e na ocasião errada…
Ao iniciar o périplo para desvendar a história da jovem, Anna cai no submundo do crime organizado londrino. A personagem se depara com a rede interacional de tráfico de armas, drogas, contrabando e prostituição, comandada pela máfia russa Vory V Zakone. Uma verdadeira irmandade do crime, cujo um dos braços é comandado pelo “simpático” e “terno” avô de família Seymon (uma irretocável interpretação de Armin Mueller-Stahl), dono de um restaurante siberiano, que comanda festas para a comunidade russa tendo ao seu lado o patético, infantil e incompetente Kirill (Vincent Cassell), seu herdeiro nos negócios. O infantilidade de Kirill é contrabalançada pela presença de seu fiel escoteiro, o soturno e enigmático motorista Nikolai (uma monstruosa interpretação de Viggo Mortensen, que lhe valeu uma indicação ao Oscar de Melhor Ator desse ano). Sua função – além de dirigir, é claro – é zelar pela segurança dos negócios da família e, eventualmente, clean up the mess feita por Kirill…
Não cabe aqui relatar o restante da trama, mas a chave para a compreensão do filme é o caráter “esquizofrênico” das personagens, isto é, a sua duplicidade de caráter. Como numa obra barroca, claridade e escuridão se alternam – pendendo muito mais para o escuro… Excetuando-se Anna, todo o restante das personagens oscilam entre a luminosidade e a sombra, a civilidade e a pura violência, a gentileza dos gestos milimetricamente encenados e a explosão de agressividade que não encontra fim quando detonada…
A ressaltar a beleza plástica da fotografia do filme – as cenas do restaurante são tão belas que me lembraram outro filme, também meu predileto, O Cozinheiro, o Ladrão, a Mulher e Seu Amante, do cineasta e artista plástico inglês Peter Greenaway -, as marcas na carne das personagens feitas a partir de tatuagens que contam as suas histórias de vida, tal como hieróglifos impressos no corpo, e máscara “robótica” de quase todos na trama – mais uma vez, excetuando-se Anna -, que agem sem saber direito o porquê daquilo tudo, apenas lutando pela necessidade animalesca de sobreviver – vejam, por exemplo, a cena de luta na sauna, que já se tornou memorável na história do cinema recente. E, o mais interessante, a dubiedade arrasta-se até a última cena do filme…
Como disse o colunista Luis Zanin no Estado de S. Paulo, ao comparar O Poderoso Chefão com Senhores do Crime: onde Coppola é solar, Cronemberg é sombrio, soturno. É indicado, principalmente, para aqueles que se interessam profundamente pela escuridão da alma humana. Justamente este foi um dos motivos que me levaram a estudar Psicologia. E é também por isto que eu sou fã dos filmes de David Cronemberg

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